Môsar Lemos
O município de Niterói conta com uma área de 130 km2 e está localizado no Estado do Rio de Janeiro, (22o. 00’ S – 43o. 00’ W), e limita-se ao Norte com o município de São Gonçalo e com a baía da Guanabara; ao Sul limita-se com o Oceano Atlântico; a Leste com os municípios de Maricá e São Gonçalo e a Oeste com a baía da Guanabara (Zaidman, 1985).Com uma altitude que varia do nível do mar a 270 metros, possui um clima tropical, quente e úmido, com a temperatura oscilando entre 19 e 29o.C ao longo do ano (Zaidman, 1985). Possui atualmente uma população de cerca de 450 mil habitantes (Zaidman, 1985).
Observar aves de rapina pode constituir-se em um problema especial devido à baixa densidade de suas populações e também ao uso de ambientes de nidificação especializados em áreas remotas e inacessíveis (Bibby et al, 1993). De acordo com a situação algumas técnicas podem ser adotadas como, por exemplo, a observação nas áreas conhecidas como “bottlenecks” (pescoço de garrafa), ou seja, afunilamentos ao longo das rotas de migração, onde as aves passam sistematicamente todos os anos (Bibby et al, 1993). Para raptores em reprodução o método consiste no “look-see”. A prova de ocupação de um território pode ser a observação de duas aves da mesma espécie voando juntas, achar penas e fezes em uma área restrita e obviamente, a melhor prova é encontrar o ninho contendo ovos ou filhotes (Bibby et al, 1993). Para as aves fora do período reprodutivo e dispersas ao longo do território, pode-se percorrer as rodovias de carro a uma baixa velocidade (20 a 40 km por hora), e observá-las com binóculos 8X30, o que permite visualização até cerca de 1,5 km em dias claros (Fuller and Mosher, 1981 apud Bibby et al, 1993). Este método é válido para espécies que fazem vôos planados enquanto procuram suas presas.
As aves foram relacionadas como abundante (A) = > 5 indivíduos observados (vistos ou ouvidos) diariamente; comum (C) = de 1 a 5 indivíduos detectados diariamente; freqüente (F) = 1 indivíduo detectado semanalmente; escasso (E) = 1 indivíduo detectado mensalmente e raro (R) = < 5 indivíduos observados anualmente, segundo Jaksic et al (1986). Acrescentamos a classe migrante (M), independente do número de observações e a classe ocasional (O) para aqueles achados que não puderam ser bem esclarecidos.
As aves foram organizadas sistematicamente dentro de ordens e famílias segundo Sick (1985, 1997), adotando-se a mesma nomenclatura popular utilizada na última edição da Ornitologia Brasileira (Sick, 1997). Os nomes no idioma inglês são aqueles utilizados por Brown (1977) para os Falconiformes e Schauensee (1982) para os Strigiformes.
Foram registrados um total de 16 aves Falconiformes e 4 Strigiformes, até dezembro de 2001. As espécies localizadas provavelmente representam uma parcela significativa de aves locais, quando comparadas com as 29 espécies que foram descritas para o município do Rio de Janeiro (Sick, 1985).
Em 06.11.88, no bairro de Fátima, pousados em uma árvore em um quintal nos limites do morro atrás das casas, dois indivíduos de Chondrohierax uncinatus. No dia seguinte permaneceram no local, dando caça a uma revoada de tanajuras (Atta sp), que apanhavam em pleno vôo. Foi recolhido em maio de 1999 um exemplar de Harpyhaliaetus coronatus, que veio a óbito devido ao avançado estado de caquexia, resultante da dilaceração do patágio e fratura de úmero.A carcaça foi encaminhada ao Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo. Esta ave magnífica consta da lista oficial do IBAMA (1989) de aves ameaçadas de extinção. Em abril de 2000 um indivíduo jovem de Leptodon cayanensis foi resgatado do mar junto à ilha de Mocanguê Grande e levado para a Associação Brasileira de Falcoeiros e Preservação de Aves de Rapina para recuperação. Posteriormente a ave foi encaminhada ao Jardim Zoológico do Rio de Janeiro.Em 29 de setembro de 2000, na lagoa de Piratininga, foi avistada uma águia-pescadora (Pandion haliaetus) carregando um peixe nas garras. O cauré (Falco rufigularis) não é ave comum na cidade. Foi avistado no campus do Instituto de Geociências da Universidade Federal Fluminense, pousado em um fio da rede elétrica, à beira-mar, em abril de 1994.O falcão peregrino (Falco peregrinus) visita regularmente o Brasil durante os meses de novembro a abril (Sick, 1960; Silva e Silva, 1996). Utilizam sistematicamente os mesmos pontos de observação e pernoite e pousam com freqüência nas antenas dos prédios mais altos. Um exemplar coletado em Niterói em 1987 se encontra depositado na coleção do Museu Nacional do Rio de Janeiro (MNRJ 35601). Pode ser visto sobrevoando a baía de Guanabara ou pousado em postes de iluminação da Ponte Rio-Niterói. Sobrevoa também o bairro de Itaipu (Leo Fukui, com. pessoal). Em março de 2001 foi visto um exemplar sobrevoando a baia da Guanabara em direção a ilha da Conceição. O gavião-pombo (Leucopternis lacernulata) é um gavião raro da mata atlântica do sudeste do Brasil. Também consta da lista oficial do IBAMA (1989) de aves ameaçadas de extinção. Pode ser visto no Parque da Cidade durante o verão. Em março de 2000 deu entrada no Hospital Veterinário da Universidade Estácio de Sá um indivíduo jovem, sem histórico, com dispnéia e muito magro. Atualmente a ave está recuperada e foi encaminhada para o criadouro “SOS Falconiformes” em Belo Horizonte. Outro exemplar foi visto em setembro do mesmo ano sobrevoando o bairro de Santa Rosa. O gavião-de-cauda-branca (Buteo albicaudatus) pode ser visto sobrevoando a grande altura, planando aproveitando as térmicas. Em Piratininga, em um período de aproximadamente dois meses (maio/junho) foram observados dois indivíduos voando juntos, provavelmente um casal, e foi anotado o seguinte comportamento. Um dos indivíduos planava a uma certa altura e o outro não estava a vista. Repentinamente o indivíduo que não havia sido visto apareceu como um pequeno ponto no céu despencando em direção ao companheiro que planava mais abaixo. Quando estavam para se chocar, o indivíduo de baixo virou-se com as garras para cima e quase se tocaram garra contra garra. A ave que descia em vôo picado abriu as asas como um freio, emparelhou com a outra e seguiram voando juntas.
Buteo brachyurus foi visto mergulhando contra pombos que se abrigaram em uma mangueira, no bairro de Santa Rosa. Após a investida fracassada a ave ganhou altura aproveitando as correntes de vento ascendente, o que combina com a descrição de suas técnicas de caça.
O gavião carijó (Rupornis magnirostris) é talvez o mais comum dos gaviões dentro da cidade. Ocorre nos bairros com cobertura vegetal mais exuberante, mas também pode ser visto na restinga e até sobrevoando as praias.O quiriquiri (Falco sparverius) também é visto com freqüência e causa algumas baixas entre os pássaros de companhia, apanhando canários (Serinus sp) e também coleiros (Sporophila sp.) dentro das gaiolas nas varandas das casas.O carcará (Polyborus plancus) pode ser visto na praia junto com os urubus, pombos e garças, comendo peixes mortos e pequenos invertebrados na areia.O carrapateiro (Milvago chimachima) é encontrado na restinga e em alguns bairros mais afastados como, por exemplo, no Engenho do Mato. O presente relato não encerra o estudo sobre as aves de rapina de Niterói. Ao contrário mostra que muito ainda há por fazer. Provavelmente um levantamento sistemático nas matas do Horto Florestal Nilo Peçanha, Parque Metropolitano Monteiro Lobato, Parque da Cidade e Parque da Serra da Tiririca revelará um bom número de espécies que não se mostram com facilidade ou não se locomovem para fora das áreas florestadas, como por exemplo, Micrastur e Accipiter. Toda a área do Parque da Cidade e o remanescente florestal de bairros que fazem parte da serra da Tiririca, ainda não foram convenientemente visitados.
Tabela 1. Lista das aves registradas.
FALCONIFORMES
Accipitridae
Leptodon cayanensis
Gavião-de-cabeça-cinza
Cayenne Kite
Chondrohierax uncinatus
Caracoleiro, gavião-caracoleiro
Hook-billed Kite
Rupornis magnirostris
Gavião-carijó
Roadside hawk
Leucopternis lacernulata
Gavião-pomba
White-necked Hawk
Buteogallus meridionalis
Gavião-caboclo
Savanna Hawk
Parabuteo unicinctus
Gavião-asa-de-telha
Harris Hawk
Buteo albicaudatus
Gavião-de-cauda-branca
White-tailed Hawk
Buteo brachyurus
Gavião-de-cauda-curta
Short-tailed Hawk
Harpyhaliaetus coronatus
Águia-cinzenta
Crowned solitary Eagle
Pandionidae
Pandion haliaetus
Aguia-pescadora
Osprey
Falconidae
Milvago chimachima
Carrapateiro, gavião-carrapateiro.
Yellow-headed Caracara
Polyborus plancus
Carcará, caracará.
Common Caracara
Falco peregrinus
Falcão-peregrino
Peregrine Falcon
Falco femoralis
Falcão-de-coleira
Aplomado Falcon
Falco sparverius
Quiriquiri
American Kestrel
Falco rufigularis
Cauré
Bat Falcon
STRIGIFORMES
Tytonidae
Tyto alba
Suindara, coruja-das-torres
Barn Owl
Strigidae
Rhinoptynx clamator
Coruja-orelhuda
Striped Owl
Otus choliba
Corujinha-do-mato
Tropical Screech Owl
Speotyto cunicularia
Coruja-buraqueira, buraqueira
Burrowing Owl
Tabela 2. Status das aves de rapina que ocorrem no município de Niterói (RJ).
Espécies Status
Accipitridae
L. cayanensis (O)
C. uncinatus (O)
R. magnirostris (F)
L. lacernulata * (R)
B. meridionalis (R)
P. unicinctus (R)
B. albicaudatus (E)
B. brachyurus (O)
H. coronatus * (O)
Pandionidae
P. haliaetus (M) Verão
Falconidae
M. chimachima (E)
P. plancus (F)
F. peregrinus (M) Verão
F. sparverius (F)
F. rufigularis (O)
Tytonidae
T. alba (R)
Strigidae
R. clamator (R)
O. choliba (E)
S. cunicularia (E)
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Freqüente (F) = 1 indivíduo detectado semanalmente. Escasso (E) = 1 indivíduo detectado mensalmente. Raro (R) = < 5 indivíduos observados anualmente, segundo Jaksic et al (1986). Acrescentamos a classe migrante (M), independente do número de observações e a classe ocasional (O) para aqueles achados que não puderam ser bem esclarecidos.
As espécies marcadas com (*) constam da lista oficial de aves ameaçadas de extinção do IBAMA.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BIBBY, C. J., BURGESS, N. D., HILL, D. A. Bird Census Techniques. Academic Press, Londres 1993.
BIERREGAARD JR, R. O. 1995. The biology and conservation status of Central and South American Falconiformes: a survey of current knowledge. Bird Conservation International (1995) 5: 325-340.
BROWN, L. Birds of Prey, their biology and ecology. Hamlyn. Londres. 1976.
IBAMA – Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis. Lista oficial de espécies da fauna brasileira ameaçada de extinção. Portaria 1522, de 19 de dezembro de 1989 e Portaria 45-N de 27 de abril de 1992. www.ibama.gov.br
JAKSIC, F. M.; PAVEZ, E. F.; JIMENEZ, J. E.; TORRES-MURA, J. C. 2001. The conservation status of raptors in the metropolitan region, Chile. J. Raptor Res. 35(2):151-158.
LACERDA, L.D. de; ARAÚJO, D.S.D. de; CERQUEIRA, R. e TURCQ, B. (Org). 1984.Restingas; origem, estruturas, processos. CEUFF. Universidade Federal Fluminense.Niterói, RJ.
MACIEL, N.C.; MAGNANINI, A. 1989. Recursos Faunísticos do Estado do Rio de Janeiro. Boletim FBCN, 24: 65-98.
PINTO, O. M. de O. 1978. Novo catálogo das aves do Brasil. Primeira parte. Empresa Gráfica da Revista dos Tribunais. São Paulo, SP.
SCHAUENSEE, R.M. de – A guide to the birds of South America. ICBP. 1982.
SICK, H. 1960. Notas sobre Falco peregrinus anatum Bonaparte no Brasil (Falconidae, Aves).Publicações Avulsas do Museu Nacional. 34.
SICK, H. 1985. Ornitologia Brasileira. Uma introdução. 2 vol. Editora Universidade de Brasília. Brasília (DF).
SICK, H. 1997. Ornitologia Brasileira. Ed. Nova Fronteira. Rio de Janeiro, RJ.
SILVA E SILVA, R. 1996. Records and geographical distribution of the peregrine falcon Falco peregrinus Tunstall, 1771 (AVES: Falconidae) in Brazil. Papéis Avulsos de Zoologia, 39(13): 249-270.
WEHRS, C. 1984. Niterói cidade sorriso; a história de um lugar. Carlos Wehrs. Rio de Janeiro, RJ.
WEINBERG, L. F. 1992. Observando aves no Estado do Rio de Janeiro. Littera Maciel.Contagem, MG.
ZAIDMAN, D. e outros. 1985. Niterói. CEUFF. Universidade Federal Fluminense. Niterói, RJ.
Créditos Fotográficos
Antonio Carlos da Silva Bressan
Felipe André Dias Lemos
Leo Fukui
Môsar Lemos
Roberto da Rocha e Silva
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