Môsar Lemos
O gavião-pato, também conhecido como apacanim-branco (Spizaetus melanoleucus) é um acipitrídeo de médio porte ornado com penacho, tarsometatarsos totalmente emplumados, que o caracteriza e diferencia de outras espécies, com contrastes de branco e preto na plumagem. Outras características são a pequena máscara facial negra, a base do bico e a íris de cor amarela. Os adultos medem cerca de 60 centímetros de comprimento. Ocorrem do sul do México até a Argentina. As fêmeas são maiores que os machos, o que é comum entre os acipitrídeos (Tabela 1). São gaviões solitários.
Spizaetusr melanoleucus é espécie da zona tropical, e habita vasta área desde o sul do México, América Central, Guianas, Venezuela, Colômbia, Paraguai e ao norte da Argentina (Oliveira Pinto, 1978). No Brasil, desde a região amazônica e centro-oeste, parte de Minas Gerais, Rio de Janeiro, São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul (Oliveira Pinto, 1978; Schauensee, 1982; Sick, 1997). Ihering coletou um macho perto de Taquara (RS) em 22 de junho de 1883 (Berlepsch e Ihering, 1885) apud Belton (1994) e registrou um outro indivíduo para São Lourenço (RS) (Ihering, 1899) apud Belton (1994). O próprio Belton observou um exemplar planando alto sobre florestas e campos no Parque Nacional dos Aparados da Serra (RS), e informou ainda que Voss viu uma dupla naquela mesma região em 03 de julho de 1978; um deles pousado sobre uma araucária morta, e o outro planando (Belton, 1994).
Brown e Amadon (1989) registraram pesos de 750 e 780 gramas para dois machos. Segundo os mesmos autores, a época de postura na Guiana Francesa ocorre entre março e abril. Os ovos medem cerca de 60 a 63mm por 47 a 48 mm (média 62,0 X 47,5 mm). São de coloração branca ou creme com alguns salpicados de marrom escuro sobre marcas acinzentadas, que algumas vezes estão ausentes. A plumagem dos jovens é um tanto semelhante a dos adultos, porém com tons pardacentos. As coberteiras das asas são escamadas de branco e possuem na cauda cinco ou mais faixas transversais escuras. Sobre a nidificação do gavião-pato no Panamá, Strauch (1975) descreveu um ninho medindo cerca de um metro de diâmetro, construído próximo a uma rodovia, a cerca de 40 metros de altura sobre uma espécie vegetal denominada “quipo” (Cavanillesia platanifolia), e de onde as aves tinham uma boa visão do entorno. Este mesmo autor relatou cópulas ocorridas entre setembro e novembro de 1972, porém não houve postura naquela ocasião. O autor relatou ainda que as aves pousavam em árvores na margem oposta da rodovia e de lá ficavam observando o ninho. Laps (2002) observou um ninho em uma capoeira a cerca de 6 metros de altura, com um filhote sendo alimentado por um dos pais, na região de Una (BA). A presa parecia ser um anfíbio.
Da dieta do gavião-pato constam sapos e aves que caça empoleirado sobre árvores altas ou planando em áreas de matas e campos adjacentes à beira de rios (Sick, 1997). Captura também roedores, lagartos e até marsupiais (Didelphis marsupialis) segundo Elizondo, 2000.
De acordo com Willis (1988) o nome gavião-pato sugere que a espécie captura patos (Anseriformes, Anatidae) e Partridge (apud Brown e Amadon, 1989) confirmou o pato-mergulhão (Mergus octocetaceus) como presa eventual, além do biguá (Phalacrocorax brasilianus) na Argentina. Russel 1964 informou que Spizaetus melanoleucus captura o araçari-de-colar (Pteroglossus torquatus), e a pomba-trocal (Columba speciosa), em Belise. Alvarez Del Toro (1980) comunicou a predação de tinamídeos (inhambus) e cracídeos (aracuans e jacus). Rudi Laps (2002) relatou a presença da ave na Bahia observada por ele na região de Una/Ilhéus entre 1988 e 2001 quando participava do projeto Restauna. Informou ainda que este seria o terceiro registro para aquele estado, já que em Porto Seguro a espécie também foi observada, independentemente, por Derek Scott e Luiz Pedreira Gonzaga. Existe registro da presença do gavião-pato na localidade de São Julião, no Parque Estadual do Desengano, município de Campos dos Goitacazes (RJ) em 24 de julho de 1988 (Pacheco et al, 2000). Em abril de 2003, uma ave adulta foi recebida pela Fundação RIOZOO oriunda do Centro de Triagem de Seropédica (RJ), porém não foi possível identificar a sua origem.
Foram obtidas informações não confirmadas sobre a presença da ave na fazenda Nova Caledônia, localidade de Ipiabas, município de Barra do Piraí, Estado do Rio de Janeiro, e também na localidade de Dorandia, no mesmo município, porém sem data precisa. Segundo informação de servidor do Centro de Primatologia do Rio de Janeiro (CPRJ/FEEMA), a ave ocorria com certeza na localidade de São José da Boa Morte, município de Cachoeiras de Macacu, Estado do Rio de Janeiro em 1971. Ocorre também em São José do Barreiro, Parque Nacional da Serra da Bocaina (divisa entre RJ e SP), durante a estação das águas, no final do ano, conforme informações de moradores locais; na Reserva Biológica União (RJ) com relato de ninho, também no final do ano, e mais recentemente na Reserva Estadual do Guapiaçu, município de Cachoeiras de Macacu (RJ), segundo informação pessoal de Eduardo Rubião (2004). Esta informação confere maior credibilidade à informação da ocorrência da ave em São José da Boa Morte, área muito próxima à Reserva Estadual do Guapiaçu.
Na coleção de peles do Museu de Zoologia da USP existe um exemplar de Santa Catarina (Colônia Hansa) e um de Cuiabá (MT) coletado em maio de 1944. Há também um animal coletado em 1938, oriundo de Avaré (SP) que se encontrava em exposição pública (Brito, 2002). Na coleção de peles do Museu de História Natural Capão da Imbuia de Curitiba (PR) existe um exemplar coletado em Rio Negro (PR) em 1944 (Carrano, 2002).
De sua presença recente em zoológicos no Brasil (2006) existem notícias apenas de dois indivíduos, sendo um em Cuiabá (MT) e outro no Rio de Janeiro (RJ).
Um dos grupos mais indicados para o monitoramento da perda da biodiversidade é a avifauna, graças à existência de relatos históricos, que podem ser comparados com estudos recentes, e embora estes estudos sejam raros, uma avaliação, por exemplo, nas florestas andinas da Colômbia revelou uma perda de cerca de 31% entre as espécies florestais que nela ocorriam entre 1911 e 1959, quando comparadas à situação em 1990. No Estado do Rio de Janeiro, a fragmentação da Floresta Atlântica, na Serra do Mar, possui um padrão semelhante aquele observado no estudo andino. Os fragmentos variam de alguns poucos hectares até grandes manchas de algumas centenas de hectares na região próxima à cidade de Nova Friburgo, geralmente sobre as vertentes e picos da serra, e à medida que se deslocam para o interior do vale do rio Paraíba do Sul, as florestas se reduzem a fragmentos de 500 hectares até pequenas manchas isoladas em topos de morros e áreas inclinadas. Os estudos comparativos entre o século XIX e o ano de 1985 revelaram uma redução de 35% na avifauna (Tanizaki-Fonseca e Moulton, 2000).
A destruição do habitate, a exploração predatória e a perseguição a ninhos têm reduzido as já raras populações do gavião-pato. O status de conservação carece de melhores informações sobre sua densidade populacional que parece ser naturalmente baixa em uma vasta área de distribuição. O gavião pato fazia parte da lista de animais ameaçados de extinção (Portaria nº 1.522, de 19 de dezembro de 1.989 e da Portaria nº 45-N, de 27 de abril de 1.992 do IBAMA), tendo sido retirado quando da publicação da nova lista (BRASIL, 2003). Como o gavião-pato é um habitante das matas de encostas e baixadas, ambientes onde as florestas foram inicialmente derrubadas (Dean, 1995), pode-se pensar que ele tenha sido empurrado para as áreas mais altas, especialmente nos locais onde foram implantadas as culturas de café, cana-de-açúcar e as pastagens.
Embora a ave não conste da “Lista Oficial de Animais Ameaçados de Extinção” (BRASIL, 2003), de acordo com os critérios preconizados pela IUCN (1994) o gavião-pato foi enquadrado na categoria “vulnerável” no Estado do Rio de Janeiro (Alves et al, 2000), em Minas Gerais (Machado et al, 1998) por apresentar “um alto risco de extinção em médio prazo, situação decorrente de alterações ambientais preocupantes ou da redução populacional, ou ainda, da redução da área de distribuição do táxon em questão, em um intervalo pequeno de tempo (dez anos ou aproximadamente três gerações)”. No Paraná foi considerado como raro (Straube, 1995). No Rio Grande do Sul foi considerado como criticamente ameaçado (Bencke et al, 2003).
AGRADECIMENTOS
Ao Rudi Laps que nos forneceu informações sobre a presença do gavião-pato nidificando na Bahia, ao Edu Carrano com informações da ave no Paraná, ao Guilherme Renzo Rocha Brito (Instituto Biologia USP) que forneceu dados sobre as peles no Museu de Zoologia da USP, ao Jan Karel Mähler Jr (um dos autores da seção Aves do "Livro Vermelho da Fauna Ameaçada de Extinção no Rio Grande do Sul"), e ao professor Eduardo Rubião (Faculdade de Medicina Veterinária de Teresópolis) que informou a presença do gavião pato nas florestas da REGUA/RJ (Reserva Estadual do Guapiaçú) no municipio de Cachoeiras de Macacu.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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BRASIL, Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis. Portaria 45-N, de 27 de abril de 1992.
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Tabela 1. Pesos e medidas de alguns exemplares de gavião-pato |
SEXO | ASAS (mm) | CAUDA (mm) | TARSO (mm) | PESO (g) |
Macho | 340 | 230 | - | 750 |
Macho | 386 | 245 | - | 780 |
Fêmea | 394 | 230 | 72 | - |
Fêmea | 423 | 253 | 99 | - |
(*) | 435 | 255 | - | - |
(*) | 332 | 202 | - | - |
Fonte: Brown e Amadon (1989).
(*) Guilherme Renzo Rocha Brito (Peles no Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo).
Créditos Fotográficos
Marize Dias Lemos
Môsar Lemos
Roberto da Rocha e Silva